Por Sharon Sevilha
Falar da grande dama da literatura como ela merece, não daria um texto para um blog, mas um livro inteiro, tão rica é sua vida e sua obra. Maior escritora brasileira viva, ela tinha um ditado que sempre dizia em suas palestras: "pai rico, fico pobre, neto mendigo" - e completava, rindo, "eu sou a neta mendiga". E já emendava com histórias de sua época de menina, contando que seu pai gostava de levá-la - criança - aos bares e de apostar. E sempre perdia. Entre uma brincadeira e outra, ela também se queixava do quanto o escritor brasileiro é menosprezado: em outras profissões, o palestrante é pago, é recebido com mesa farta, já o escritor, no máximo, recebe um buquê de flores que fica murcho antes de ele chegar em casa.
Quarta ocupante da Cadeira nº 16, eleita em 24 de outubro de 1985, na sucessão de Pedro Calmon e recebida em 12 de maio de 1987 pelo acadêmico Eduardo Portella, LYGIA FAGUNDES TELLES nasceu em São Paulo e passou a infância no interior do Estado, onde o pai, o advogado Durval de Azevedo Fagundes, foi promotor público. A mãe, Maria do Rosário (Zazita), era pianista. Voltando a residir com a família em São Paulo, a escritora ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo, onde se formou.
Ainda na adolescência, manifestou-se sua vocação de para a literatura - incentivada pelos seus maiores amigos, os escritores Carlos Drummond de Andrade e Erico Verissimo. Mais tarde a escritora viria a rejeitar seus primeiros livros porque em sua opinião “a pouca idade não justifica o mau livro."
Lygia considera CIRANDA DE PEDRA (1954) o marco inicial de suas obras completas. O que ficou para trás, “são juvenilidades”. Quando da sua publicação, o romance foi saudado por críticos como Otto Maria Carpeaux, Paulo Rónai e José Paulo Paes. No mesmo ano, fruto de seu primeiro casamento nasceu o filho Goffredo da Silva Telles Neto, cineasta. Ainda nos anos 1950, saiu o livro Histórias do Desencontro (1958), que recebeu o Prêmio do Instituto Nacional do Livro.
O segundo romance, Verão no Aquário (1963), Prêmio Jabuti, saiu no mesmo ano em que já divorciada casou-se com o crítico de cinema Paulo Emílio Sales Gomes. Em parceria com ele escreveu o roteiro para cinema Capitu (1967) baseado em Dom Casmurro, de Machado de Assis. Esse roteiro recebeu o Prêmio Candango, concedido ao melhor roteiro cinematográfico.
Sua consagração veio na década de 1970. Lygia publicou alguns de seus livros mais importantes: Antes do Baile Verde (1970), cujo conto que dá título ao livro recebeu o Primeiro Prêmio no Concurso Internacional de Escritoras, na França. As Meninas (1973), romance que recebeu os Prêmios Jabuti, Coelho Neto da Academia Brasileira de Letras e “Ficção” da Associação Paulista de Críticos de Arte. Seminário dos Ratos (1977) foi premiado pelo PEN Clube do Brasil. O livro de contos Filhos Pródigos (1978) seria republicado com o título de um de seus contos A Estrutura da Bolha de Sabão (1991). Época que eu, estudante do curso de Letras - muito por sua influência - tive o prazer de conhecê-la pessoalmente. Que encanto de mulher e que olhar de menina!
A Disciplina do Amor (1980) recebeu o Prêmio Jabuti e o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte. O romance As Horas Nuas (1989) recebeu o Prêmio Pedro Nava de Melhor Livro do Ano.
Os textos curtos e impactantes passaram a se suceder na década de 1990, quando, então, é publicado A Noite Escura e Mais Eu (1995) e que recebeu o Prêmio Arthur Azevedo da Biblioteca Nacional, o Prêmio Jabuti e o Prêmio APLUB de Literatura. Os textos do livro Invenção e Memória (2000) receberam o Prêmio Jabuti, APCA e o "Golfinho de Ouro”. Durante Aquele Estranho Chá (2002), textos que a autora denomina de perdidos e achados antecedeu o seu mais recente livro Conspiração de Nuvens (2007), ficção e memória e que foi premiado pela APCA.
A consagração definitiva viria com o Prêmio Camões (2005), distinção maior em língua portuguesa pelo conjunto de obra.
Lygia Fagundes Telles conduziu sua trajetória literária trabalhando ainda como Procuradora do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo, cargo que exerceu até a aposentadoria. Foi ainda presidente da Cinemateca Brasileira, fundada por Paulo Emílio Sales Gomes. É membro da Academia Paulista de Letras e da Academia Brasileira de Letras. Teve seus livros publicados em diversos países: Portugal, França, Estados Unidos, Alemanha, Itália, Holanda, Suécia, Espanha e República Checa, entre outros, com obras adaptadas para TV, teatro e cinema.
Provavelmente por viver em um país de terceiro mundo, Lygia considera sua obra comprometida com a difícil condição do ser humano em um país de tão frágil educação e saúde. Participante desse tempo e dessa sociedade a escritora procura apresentar através da palavra escrita a realidade envolta na sedução do imaginário e da fantasia. Em 1976, durante a ditadura militar, integrou uma comissão de escritores que foi a Brasília entregar ao Ministro da Justiça o famoso “Manifesto dos Mil”, veemente declaração contra a censura e que foi assinada pelos mais representativos intelectuais do Brasil.
“A criação literária? O escritor pode ser louco, mas não enlouquece o leitor, ao contrário, pode até desviá-lo da loucura. O escritor pode ser corrompido, mas não corrompe. Pode ser solitário e triste e ainda assim vai alimentar o sonho daquele que está na solidão”.
Feliz aniversário para uma das mulheres mais inteligentes, belas e inspiradores que tive o prazer de conhecer no meu meio século de existência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário