sexta-feira, 3 de abril de 2020

CINEMA 2 - A IMAGEM-TEMPO, de Gilles Deleuze


Cinema 2 — A imagem-tempo
Gilles Deleuze
Tradução de Eloisa Araújo Ribeiro

Coleção Trans | 424 p. | 14 x 21 cm | 460 g. | 



O volume Cinema 2 — A imagem-tempo completa o projeto de Gilles Deleuze para fazer da sétima arte uma forma de pensamento. Nele, o filósofo deixa o território diversificado da arte cinematográfica clássica, predominante em A imagem-movimento e que já havia atingido o ápice na virada da década de 1930 para a de 1940, para mergulhar em filmes deliberadamente fora dos enquadramentos dessa linguagem. O marco histórico foi a Segunda Guerra Mundial, que havia levado a experiência humana a extremos nunca antes vistos; e o marco estético foi o neorrealismo italiano, criação original em meio às ruínas da guerra, ambos exemplificados magistralmente nos filmes de Roberto Rosselini.
Segundo Deleuze, nessa dupla passagem o cinema vai da imagem-movimento para a imagem-tempo, da linearidade para a descontinuidade, dos cortes racionais para os irracionais, muitas vezes dissociando imagem e som. O arco de estilos e linguagens é bastante amplo: de mestres precursores como Yasujiro Ozu, Luis Buñuel e Orson Welles, passando pela comissão de frente da nouvelle vague, até Glauber Rocha, ponta-de-lança de uma cinematografia revolucionária na periferia do sistema de produção, mas com alcance estético mundial.
Sobre o autor
Gilles Deleuze nasceu em 1925, em Paris. Estudou no Liceu Carnot e depois filosofia na Sorbonne, onde obteve o Diploma de Estudos Superiores em 1947. Entre 1948 e 1957 lecionou nos liceus de Amiens, Orléans e no Louis-Le-Grand, em Paris. Trabalhou como assistente em História da Filosofia na Sorbonne entre 1957 e 1960, e foi pesquisador do CNRS até 1964, ano em que passou a lecionar na Faculdade de Lyon, lá permanecendo até 1969. De 1969 a 1987, deu aulas na célebre Universidade de Vincennes, um dos polos do ideário de Maio de 1968, quando firmou a sólida e produtiva relação com Félix Guattari de que resultaram os livros O anti-Édipo (1972), Kafka (1975), Mil platôs (1980) e O que é a filosofia? (1991). É autor também de obras fundamentais como Diferença e repetição (1968), Lógica do sentid o (1969), Cinema 1 — A imagem-movimento (1983), Cinema 2 — A imagem-tempo (1985) e Crítica e clínica (1993), além de estudos sobre Hume, Kant, Bergson, Nietzsche, Espinosa e Foucault, entre outros. Faleceu em Paris, em 1995, e é hoje considerado um dos mais importantes filósofos do século XX.

Sobre a tradutora
Eloisa Araújo Ribeiro nasceu em Belo Horizonte e vive no Rio de Janeiro. É graduada em Artes Cinematográficas pela Universidade de Paris VIII — Vincennes-Saint-Denis, e obteve o título de mestre em Língua e Literatura Alemã pela Universidade de São Paulo com dissertação sobre o escritor suíço-alemão Robert Walser. Traduziu, entre outros: Cinema 2 — A imagem-tempo, de Gilles Deleuze (1990); O que é o cinema?, de André Bazin (1990); O sequestrado de Veneza/Veneza, de minha janela, de Jean-Paul Sartre (2005); e Novelas (2006), O despovoador/Mal visto mal dito (2008) e Textos para nada (2015), de Samuel Beckett.

Texto de orelha
Quando, após a Segunda Guerra Mundial, as imagens cinematográficas passam a ser encadeadas por cortes irracionais e o tempo deixa de decorrer do movimento, surgem os signos ópticos e sonoros puros, desprendidos das situações sensório-motoras.

É o neorrealismo italiano que inaugura um cinema do vidente, quando a personagem, incapaz de reagir ao que lhe acontece, torna-se o espectador paralisado diante de uma realidade intolerável, bela ou horrível demais. São as heroínas de Roberto Rossellini em Stromboli e Europa ’51 que melhor exprimem a nova condição, em que a imagem vista se conecta ao sonho, à lembrança ou ao pensamento (mas eles ainda constituem circuitos muitos amplos em torno da imagem atual).
Quando se atinge o circuito mais estreito entre o atual e o virtual — o que tornará indiscerníveis o objetivo e o subjetivo, o real e o imaginário, o físico e o mental — forma-se um cristal de tempo, que não remete mais nem à consciência nem ao estado psicológico da personagem. O que vemos na imagem-cristal é o tempo em pessoa, como nos filmes de Werner Herzog, Andrei Tarkóvski, Max Ophüls, Jean Renoir, Federico Fellini e Luchino Visconti. No cristal o tempo se bifurca e jorra em duas direções: a dos passados que se conservam e a dos presentes que passam, segundo as formulações de Henri Bergson em Matéria e memória (1896).
Surgem daí os lençóis do passado, como no cinema de Alain Resnais, e as pontas do presente, como no de Alain Robbe-Grillet. Ao criar uma descrição que vale pelo seu objeto e uma narração livre do modelo da verdade, o regime cristalino da imagem conduz às potências do falso, como na obra de Orson Welles, em que estão presentes falsários e simuladores.
O tempo, no entanto, não se torna sensível sem que o pensamento ganhe uma nova configuração. O personagem vidente, imobilizado diante do que vê — como uma múmia — transforma-se no autômato espiritual, atingido pelos choques que alcançam o córtex. Tendo perdido seu vínculo sensório-motor com o mundo, o autômato subjetivo inaugura tanto um cinema do espírito (Antonin Artaud, Carl Dreyer, Éric Rohmer) quanto um cinema do corpo (Michelangelo Antonioni, Jean-Luc Godard, Carmelo Bene, Andy Warhol e John Cassavetes).
Como crer neste mundo, sem recorrer a uma transcendência política ou religiosa? De agora em diante, o cinema — inclusive em sua vertente abertamente política —, a exemplo de Jean-Marie Straub/Danièle Huillet e Glauber Rocha, se valeria de composições inéditas entre o ato de fala, o ato sonoro e o ato musical, montados de maneira disjuntiva, como em Marguerite Duras ou Hans-Jürgen Syberberg.
Tendo abandonado a figura do todo aberto, próprio da imagem-movimento — objeto do livro Cinema 1, que precede este volume —, atraído por um fora que não era mais o do fora de campo, governado pelo discurso indireto e a visão livres, o cinema permitia ao espectador experimentar, enfim, de dentro, diretamente, as múltiplas formas do tempo, tornadas visíveis e sonoras.

César Guimarães

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