sábado, 28 de março de 2020

Um pouco de Donatien Alphonse François de Sade




Donatien Alphonse François de Sade, o Marquês de Sade, (Paris, 2 de junho de 1740 — Saint-Maurice, 2 de dezembro de 1814) foi um aristocrata francês e escritor libertino. Muitas das suas obras foram escritas enquanto estava na Prisão da Bastilha, encarcerado diversas vezes, inclusive por Napoleão Bonaparte. De seu nome surge o termo médico sadismo, que define a perversão sexual de ter prazer na dor física ou moral do parceiro ou parceiros. Foi perseguido tanto pela monarquia (Antigo Regime) como pelos revolucionários vitoriosos de 1789 e depois por Napoleão.

Num mundo destinado à corrupção, o autor de Filosofia da Alcova propõe uma pedagogia, um processo educacional capaz de conduzir o homem a um estado apático. Como todos os males nos atingem por meio dos sentidos, Sade pensa num laboratório onde se possa dia-a-dia exercitar esse estado de apatia. Submete-se o homem a toda sorte de dores e perturbações libidinosas em orgias e agressões físicas que, em seus escritos, chegam ao assassinato.

Além de escritor e dramaturgo, foi também filósofo de ideias originais, baseadas no materialismo do século das luzes e dos enciclopedistas. Lido enquanto teoria filosófica, "o romance de Sade oferece um sistema de pensamento que desafia a concepção de mundo proposta pelos dois principais campos filosóficos no contexto da França pré-republicana: o religioso e o racionalista".[4] Sade era adepto do ateísmo e era caracterizado por fazer apologia ao crime (já que enfrentar a religião na época era um crime) e a afrontas à religião dominante, sendo, por isso, um dos principais autores libertinos - na concepção moderna do termo.


O primeiro escândalo na vida do marquês ocorreu cinco meses após o casamento. Em outubro de 1763, foi acusado pela prostituta Jeanne Testard de obrigá-la a renegar Deus e a realizar “atos de sacrilégio” com imagens cristãs enquanto mantinham relações sexuais. Acabou preso, mas, graças à influência da sogra, ficou na cadeia menos de um mês

Em suas obras, Sade, como livre pensador, usava-se do grotesco para tecer suas críticas morais à sociedade urbana. Evidenciava, ao contrário de várias obras acerca da moralidade - como por exemplo o "Princípios da Moral e Legislação" de Jeremy Bentham- uma moralidade baseada em princípios contrários ao que os "bons costumes" da época aceitavam; moralidade essa que mostrava homens que sentiam prazer na dor dos demais e outras cenas, por vezes bizarras, que não estavam distantes da realidade. Em seu romance 120 Dias de Sodoma, por exemplo, nobres devassos abusam de crianças raptadas encerrados num castelo de luxo, num clima de crescente violência, com coprofagia, mutilações e assassinatos - verdadeiro mergulho nos infernos.

Várias vezes preso, sempre conseguia evadir-se, até ser preso definitivamente em Vincennes (1777), de onde foi transferido para a prisão da Bastilha (1784). Esteve internado no hospício de Charenton (1789-1790, 1801-1814), onde finalmente encontrou a morte. Foi neste hospício e tendo os próprios loucos como atores que ele conseguiu montar suas muitas peças, entre elas Les 120 journées de Sodome (1785), Justine ou les malheurs de la vertu (1791), La Philosophie dans le boudoir (1795), seu romance mais famoso, Pauline et Belval (1796) e Juliette ou les Prospérités du vice (1798). Sua obra foi marcada pelo toque sentimental que retratando os costumes vigentes na França da sua época, deformadas pelas descrições patológicas das perversões sexuais, e até hoje gera, no mínimo, curiosidade.

Apesar de produzir uma obra extensa – da qual apenas um terço foi publicado –, Sade foi um escritor pouco lido em sua época. “Ele sabia que o que escrevia não seria vendido na esquina livremente. Sempre foi um autor clandestino”, afirma Eliane Moraes. Assim ele permaneceu durante todo o século 19. Em 1834, uma edição do Dicionário Universal inaugura o termo “sadismo”, com o significado de “aberração horrível do deboche; sistema monstruoso e anti-social que revolta a natureza”. O nome só se torna famoso, porém, quando usado pelo psiquiatra alemão Richard Freiherr von Krafft-Ebing, num catálogo de psicopatias sexuais, em 1886.

Sade morreu aos 74 anos, amado por duas mulheres, com quem planejava produzir peças teatrais pornográficas quando um dia saísse do hospício.

BIBLIOGRAFIA

    Justine
    Juliette de Sade
    Zoloe e suas Amantes
    O Estratagema do Amor
    Os Crimes do Amor
    A Filosofia na Alcova
    Contos Libertinos
    Diálogo entre um Padre e um Moribundo
    Os 120 Dias de Sodoma
    A Crueldade Fraternal
    Os Infortúnios da Virtude

OS LIVROS

Os Infortúnios da virtude
de MARQUÊS DE SADE


No de Paginas:
192

Em 1787, às vésperas da Revolução Francesa, Sade, sofrendo de uma infecção nos olhos, escreve em apenas duas semanas Os infortúnios da virtude, obra inaugural da grande saga das irmãs Justine e Juliette, a heroína virtuosa e a libertina perversa, uma trilhando as veredas do bem, a outra as do vício e da crueldade, enfim, as personagens-síntese da simetria perfeita do sistema sadiano. Uma não existe sem a outra, assim como um libertino não faz sentido neste universo radical e assustador sem a vítima que lhe serve de objeto de deboche e contraponto tipológico no exercício da perversidade.

Justine e Juliette representam os dois extremos complementares dessa narrativa dialógica na qual os poderes do vício triunfam e as fraquezas da virtude sucumbem inexoravelmente, como se a natureza, a grande-Mãe, inspirasse toda a narrativa, de forma retumbante, arrebatando das mãos os raios da Divina Providência para atirá-los contra os pobres infortunados. Eis a tônica: todo virtuoso é infeliz. Assim, a pobre heroína peregrina pela França, de cantão em cantão, sem renunciar a sua fé,sem descrer nos poderes absolutos e salvadores da religião, seus asseclas e santos.

Ela cai e se levanta, inabalável, a cada ultraje, a cada infâmia, encarnando a última das heroínas virtuosas. Justine, dir-se-ia, só existe para ser aviltada, molestada, profanada. Por isso tem “vida longa”, por isso resiste, resiste... eterna sobrevivente dos dispositivos de destruição da literatura sadiana.

No entanto, são esses “tropeços”, essas “ciladas”, cartas marcadas de uma estratégia romanesca originalíssima: há que se importunar e espezinhar a virtude, pois, caso ela triunfe sempre, o romance perde o interesse. A vida tem de ser mostrada como ela é: dura e cruel.

A tese que Sade sustenta é que a virtude exprime melhor seu sentido se for “atormentada pelo vício”.

No entanto, tal subterfúgio serve de tacape para uma empreitada maior: a paródia do gênero sentimental que faz detonar os poderes da corrupção e do vício, os únicos que, segundo seu autor, estão de acordo com as “verdadeiras intenções da natureza”.

Nessa medida (ou desmedida), Justine pode ser considerada a última das heroínas virtuosas do século XVIII, que, com efeito, decreta a morte do gênero sentimental, tão difundido nesta época por autores como Richardson, Prévost e Rousseau.

Sade escreve à contracorrente ou à contraluz desses autores, atirando no fundo do poço e sepultando de vez as esperanças do homem no homem.


A FILOSOFIA NA ALCOVA
de MARQUES DE SADE


REEDIÇÃO
No de Paginas:
256

A obra em forma de diálogos trata da educação sexual de uma jovem, apresentando, além do erotismo, posições ideológicas que discutem os ideais republicanos e as submissões de uma maneira geral. O romance se passa no quarto, num cenário de coxins, divãs, almofadas e lençóis, onde a jovem Eugénie aprende as artes da libertinagem através do experiente Dolmancé e da senhora de Saint-Ange.

NO PREFÁCIO À EDIÇÃO ORIGINAL de (La Philosophia. dans le boudoir) le-se -

Habent sua fata libelli. Os maus livros também têm seu destino. A obra que estamos em vias de entregar ao público chocará, sem dúvida, aos leitores menos avisados. A crueza das cenas de deboche e a violência dos ataques a todos os princípios da moral consagrada abalam mesmo ao espírito mais habituado a leitura fortes. A depravada orgia da imaginação do famigerado Marquês é tamanha que ninguém o superou até agora e sua obra é, ainda hoje, o melhor documento dos desvarios a que pode atingir a mente humana Nada ele respeita. A religião, a moral, os costumes, os mais puros sentimentos de família a amizade, os nobres impulsos do coração humano são vilipendiados por este espírito doentio e degenerado.
Aqueles que tiveram oportunidade de se informar sobre a patologia do espírito humano, os que se interessam pelo estudo das anormalidades sexuais, não estranharão, evidentemente, este pesadelo monstruoso. Para estes, a presente obra valerá como um texto para estudo. Nenhum sexólogo, nenhum psiquiatra, poderá ignorar este documento. Aí está nossa justificação, ao publicá-lo.
Ainda mais. Para os leitores e mesmo para os inexperientes, esta leitura, estamos certos, jamais será perniciosa. O espírito são repelirá sua brutal pornografia e sua álgida libidinagem. Quem dispuser de um sólido patrimônio moral repudiará, automaticamente, as elucubrações extravagantes e infantis do autor e, certamente, robustecerá suas crenças e seus princípios ante a insanidade de seus cínicos argumentos. Aliás, para invocar ainda uma verdade consagrada: é preciso conhecer o mal para saber evitá-lo.

"A Filosofia na Alcova" (La Philosophie dans le boudoir) apareceu pela primeira vez em 1795 como "obra póstuma do autor de Justina", em dois volumes ilustrados. Constitui o mais expressivo dos escritos do Marquês nas práticas do vício. É uma antologia da libertinagem.
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No ensaio Faut-il Brûler Sade? (1951) [Devemos Queimar Sade?], Simone de Beauvoir identifica aspectos vanguardistas nos textos do marquês, antecedendo alguns conceitos freudianos da psicanálise. -

A libido está em todo lugar, e ela é sempre maior do que si própria.
Sade certamente antecipou uma grande verdade. Ele sabia que as
“perversões” que são vulgarmente consideradas como
monstruosidades morais ou defeitos psicológicos na verdade
concernem o que agora seria considerado intencionalidade. Ele
entendeu, também, que nossos gostos são motivados não pelas
qualidades intrínsecas, mas da relação do último com o objeto. Em
uma passagem da La Nouvelle Justine ele tenta explicar coprofilia. Sua
resposta é inadequada, mas de modo desengonçado, usando a noção
de imaginação, ele aponta que a verdade de uma coisa não se encontra
no que ela é, mas no significado que adquiriu no percurso da nossa
experiência individual. Intuições como essa nos permitem saudar
Sade como o precursor da psicanálise. (Beauvoir, 1972, p.74).

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